Projeto Vísceras

Materialismo Vital. Guache sobre fundo de lousa, 90x60. 15.06.2019.

Materialismo Vital. Recriado por IA. 2025.

Em 2019 pintei um quadro de coração que chamei de “Materialismo Vital”. Assinei como Hysteriteia Fronteiriza, um nome que inventei na época que desse conta de explicar algumas camadas da minha linguagem. Como teias do útero que percorrem fronteiras inflamadas, incendiadas. Naquele momento eu demorava mais do que 9 palavras para descrever o que eu buscava, de fato, representar. A intensidade do lado de dentro, moldada por paradigmas sociais e conhecida por saberes específicos. Baixo as máscaras da socialização, um corpo, reverberando em seu materialismo. E esse corpo material é feito de coração que pulsa e vísceras que entrelaçam o lado de dentro aos caminhos do fora. E costuram.

E esse coração tinha cor e tamanho suficiente para ser a peça em destaque de qualquer ambiente. Eu não sou do desenho nem da pintura, mas o materialismo vital foi a coisa mais inteligente que pintei, sem fazer ideia de como estava fazendo. Eu peguei um gif de coração pulsando no google e fiquei olhando por muito tempo. E depois, tracei, depois, pincelei. E por muito carreguei-o comigo. Mas aquela imagem enorme me causava enorme desconforto, em certos momentos. Às vezes me dava náusea. E quando fiz minha última mudança, em 2023, eu o coloquei na rua junto com outras coisas por doar. Me arrependi em menos de uma hora, mas ele não estava mais lá. Espero que enfeite alguma sala da cidade de São José do Rio Preto, lugar que foi tão incrível a experiência da partida.

Nesses dois anos arquivística veio sendo maturada, resultando também em projeto mais amplo, hospedando um doutorado sobre a poética do grito. O projeto vísceras é aquilo que eu fiz, enquanto sujeita, com tudo aquilo que vim documentando de minha própria experiência, aquilo que mapeei em meu próprio sistema, aquilo que era necessário ser trazido à tona, representado, repercutido. A percepção-criativa de meu próprio percurso. Vísceras de vivian e seus fragmentos: hysteriteia, mulher ao mar, vontades de instinto e elaborações a partir da linguagem da loucura, estarão presentes nas séries que irão compor essa sessão, sempre em diversos formatos possíveis.

Sobre o Materialismo Vital, eu tinha uma foto muito bem guardada e ele virou a cara dessa minha empreitada em falar a partir de meu corpo primordial. Vísceras é a primeira vez que falo sem a mediação do substantivo professora ou pesquisadora. Da mesma forma que essa imagem atravessa todo o trabalho, recriei-a de uma forma menos invasiva para meus olhos e podendo trazer um conjunto conceitual junto à outras imagens que fazem parte do ateliê da aquivística. Para isso, recorri às inteligências artificiais e decidi, como propõe Dona Haraway, sobre a necessidade de criar parentescos estranhos no objetivo de fazer criar novos idiomas possíveis, podendo essa ser uma maneira de traduzir aquilo que para mim ficou por muito tempo em silêncio. Suas bocas fechadas e um olho muito bem aberto anunciam esse sintoma. Muito anterior ao que eu pudesse vislumbrar como poética do grito, Materialismo Vital mostra o silêncio que reverbera pesado no peito que tudo observa.

Primeiro ateliê da arquivística, em S. J. Rio Preto/SP. Visão de Materialismo Vital da sala de estar. 2021.